As famílias multiproblemáticas têm
uma forma de estar e de se relacionar muito própria, e apresentam uma série de
comportamentos problemáticos estruturados, estáveis no tempo e bastante graves,
incapazes de se distanciarem e de refletirem sobre as
ocorrências e potencialidades próprias. Os seus comportamentos
problemáticos afetam um número indeterminado de elementos, pois a família é um sistema e, portanto, o facto de um
membro viver um problema tem impacto em cada um dos outros membros e no todo
familiar.
Além
destas características, apresentam geralmente, um baixo nível socioeconómico,
encontrando-se no limiar da pobreza, são privadas a nível económico e cultural
e são socialmente marginalizadas. Os comportamentos problemáticos mais
detetados nestas famílias são, por exemplo, a violência, a toxicodependência, os
maus tratos, a delinquência, o alcoolismo e o abandono das crianças.
Em
relação à conjugalidade reina a desarmonia. Esta resulta da dificuldade que os cônjuges
têm em estabelecer relações estáveis e igualitárias, chamada de simetria
relacional, não conseguindo desenvolver relações complementares que lhes
permitam encontrar no outro aquilo que lhes falta.
É
verificável nestas famílias uma indefinição dos papeis de cada elemento do
sistema, pois não estando estabelecidos, eles não são sólidos, não há
consciência, não há respeito, nem controlo acerca dos mesmos.
Analisando
o caso do filme “Te doy mis ojos”, a família protagonista representa uma
família multiproblemática, que vivencia uma situação de violência doméstica,
sendo a vítima a mulher, Pilar e o agressor, o António, ambos pais de Ruan.
Esta família
encontra-se claramente no terceiro estágio do ciclo vital familiar -Famílias
com filhos pequenos. Neste estágio há um processo emocional de transição que
passa pela aceitação de novos membros no sistema. As mudanças desenvolvimentais
nesta etapa são o ajustamento do sistema conjugal que permite a criação de um
espaço para os seus filhos, a união do casal nas tarefas de educação dos
filhos, mas também, nas tarefas financeiras e domésticas, e o realinhamento dos
relacionamentos com a família alargada para incluir os papeis dos pais e dos avós.
Relativamente às
funções intrínsecas da família protagonista, à uma vinculação saudável e de
amor entre o filho e os pais. Na relação dos pais, apesar da existência de problemas de violência
doméstica, verificamos que há uma relação de amor.
Sabemos que a violência doméstica abarca comportamentos utilizados num
relacionamento, por uma das partes, e que o agressor pretende acima de tudo
controlar a vítima, é isto que o António pretende, pois não consegue
controlar o ciúme, ciúme este que não tem uma razão de ser, pois Pilar sempre
foi fiel ao marido, mas basta não atender uma chamada de António para que este alimente
as suas desconfianças acerca de que a mulher o trai com alguém. Este é o motivo
vigorante que levara António ao extremo, acabando por violentar a esposa. Uma
outra razão que o levou à loucura, tendo humilhado a esposa funestamente, foi o
sucesso profissional de Pilar, pois António temia a superioridade da esposa em
termos profissionais e económicos, o que a tornaria independente e autónoma em
relação a António. Esta é uma das principais causas de violência, o homem viola
a mulher devido à relação de poder, designando a mulher como o sexo frágil,
permitindo que o marido a controle, impedindo-a de participar ativamente na
política, na vida social, na economia e no mercado de trabalho, de modo a
tornar o homem o detentor do poder, e a mulher a sua submissa.
Apercebi-me de que os
pais contribuem para a manutenção psicológica do filho e para a sua
socialização, tanto com a família alargada como com os amigos, também transmitem-lhe
valores e garantem a sua formação, a este nível não se encontram carências,
tanto que Ruan nunca presenciou uma agressão, pois quando os pais discutiam,
mandavam-no de imediato para o quarto.
Pilar aterrorizada com
a situação, abandona o marido e refugia-se com o filho em casa da sua irmã mais
nova, o marido procura-a em casa da cunhada e conversa com ela, desculpando-se
e prometendo-lhe que tudo irá mudar e que não lhe voltará a agredir.
António procura ajuda
psicológica, presenciando algumas sessões em grupo nomeadamente com outros
agressores, e sessões individuais. Volta a aproximar-se de Pilar,
oferecendo-lhe presentes, observando-a e controlando-a de longe, tendo até
questionado o filho para tentar saber se a mulher saia com alguém.
Pilar cede e acaba por
se encontrar com o marido, nisto ele promete-lhe um futuro melhor, e revivem de
novo o seu namoro. Isto é o chamado ciclo da violência doméstica, que se
apresenta em três etapas, a primeira é o aumento da tensão, em que as discussões
e as ameaças do agressor criam, na
vítima, uma sensação de perigo eminente.
A segunda etapa é o ataque violento, em que o agressor violenta fisicamente e
psicologicamente a vítima; e a terceira é a lua-de-mel, nesta etapa o agressor
acarinha e dá atenção à vítima, desculpando-se pelas agressões e prometendo de
que nunca mais a voltará a agredir. Contudo, este ciclo repete-se, até que a
vítima decida abandonar o agressor definitivamente, foi o que Pilar fez,
pegando no filho, abandona novamente o marido.
Depois
de conhecer a problemática do sistema familiar, isso permite ao Assistente
Social perceber a complexidade de cada família, pois cada caso é um caso, o que
torna as famílias multiproblemáticas únicas e diferentes umas das outras em
termos de estrutura e de funcionamento. Isto, deixa quase sempre, o técnico
apreensivo com qual a decisão e a intervenção mais adequada para o sistema
familiar. Após definidos os pedidos
expressos pela família, tal como os implícitos, o técnico parte para a
definição de estratégias e metodologias, e adequa as metas, tendo em conta o
tipo de família com que trabalha.
As
famílias têm potencialidades para mudar os seus comportamentos, por mais
fragilizadas que estejam, no entanto, a família é que decide se quer mudar, não
é o técnico que toma essa decisão, ele apenas ajuda a realizar esse objetivo,
dando-lhe orientações, reencaminhando-a para os serviços indicados.
Em
suma, o principal objetivo do Assistente Social é automatizar as famílias, para
que estas sejam capazes de resolver os seus problemas.